Billie Holiday: centenário da cantora inspira Cassandra Wilson e José James

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Muitos fãs de Billie Holiday nem imaginam que, ao morrer com apenas 44 anos, a mais cultuada cantora do jazz quase não era ouvida nas rádios norte-americanas. Até seus poucos discos em catálogo eram difíceis de encontrar.

Sua morte, em 17 de julho de 1959, ocorreu em condições revoltantes. Internada em um hospital de Nova York, para tratar de problemas no coração e no fígado, ela passou seus últimos dias algemada na cama, vigiada por policiais, após receber ordem de prisão por porte de heroína.

A trágica história de Billie Holiday se tornou uma lenda similar às de outros astros musicais mortos prematuramente, como Charlie Parker, Jimi Hendrix ou Amy Winehouse. Mas é bem provável que suas gravações não tivessem causado tamanho impacto sobre as gerações posteriores, se não transmitissem tanta sinceridade.

Lançada agora por ocasião do centenário de nascimento dessa grande intérprete, a compilação “God Bless the Child” (lançamento Verve/Universal) pode servir de introdução à sua obra. Entre as 14 faixas, gravadas nos anos 1940 e 1950, canções e blues como “My Man”, “Stormy Wheater” ou “I Don’t Want to Cry Anymore” mostram que Billie cantava o que vivia e sentia. 


Seu carisma fica mais evidente ainda na faixa final, “Strange Fruit”, gravada num concerto em Los Angeles, em 1946. Item essencial de seu repertório, a dramática canção de Lewis Allan (cujos versos remetem aos enforcamentos de negros no sul dos EUA) tornou-se símbolo da luta contra o racismo.

“Strange Fruit” também está presente em álbuns recém-lançados por Cassandra Wilson e José James – brilhantes intérpretes da cena atual do jazz. Ambos rendem homenagens à cantora que os influenciou.

“Tenho certeza de que ela não iria querer ouvir alguém cantar uma canção do mesmo modo que ela fez em 1941 ou 51”, afirma Cassandra, no encarte do álbum “Coming Forth by Day” (lançamento Legacy/Sony), justificando sua intenção de “trazer Billie para um novo dia, e dar à (sua) música uma expressão de século 21”.



Para isso, convocou o produtor pop Nick Launey, conhecido por trabalhos com Nick Cave e Arcade Fire. Recheados de cordas, os arranjos do álbum trazem sonoridades incomuns no universo do jazz moderno: como o banjo de Kevin Breit, na lenta versão de “The Way You Look Tonight”; ou o violino de Eric Gorfain, em “I’ll Be Seeing You”. 



Se Cassandra aproxima Billie da música pop, José James prefere adotar uma sonoridade bem jazzística, em seu álbum “Yesterday I Had the Blues” (lançamento Blue Note/Universal, ainda sem edição brasileira), contando com um trio de feras do gênero: Jason Moran (piano), John Patitucci (baixo acústico) e Eric Harland (bateria).

Intimistas, as versões de James para “Good Morning Heartache”, “Body and Soul” e “Tenderly”, entre outras, enfatizam os silêncios, o sentimento. Mais ainda: transmitem aquela sensação de sinceridade que sempre marcaram as interpretações de Billie Holiday.

Ao final da audição dessas homenagens tão diferentes, fica no ar a velha questão que deveria afligir qualquer um que se aventura num projeto de releituras: até onde se pode chegar sem descaracterizar a obra original?


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 25/7/2015)

1 Comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Emular ou inovar?Eis a questão.

 

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