Savassi Festival 2015: evento cresce apoiando a cena instrumental de Minas Gerais

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                                                       O cantor e violonista João Bosco (no centro) e seu sexteto
 
Um dos maiores festivais de jazz e música instrumental do país, o Savassi Festival concluiu sua 13ª edição, no último domingo (12/7), em Belo Horizonte (MG), confirmando ser diferente da maioria dos eventos desse gênero. Em vez de exibir um elenco de vistosas atrações internacionais, buscando atrair mais turistas para a cidade, o Savassi Festival cresceu ao longo dos anos estabelecendo uma relação direta com os músicos locais e com a vida cultural da capital mineira.

“Muitas vezes o turismo cultural está ligado a grandes nomes e estrelas que têm uma reverberação mais ampla entre o público. O Savassi Festival não possui essa agenda”, observa o produtor Bruno Golgher, que vem realizando esse evento anualmente desde 2003. “Claro que eu posso trazer uma Esperanza Spalding, por exemplo, mas o festival busca, conscientemente, ser mais orgânico, criar uma relação com a cena musical e as pessoas daqui”.

Antes de criar o Savassi Festival, que neste ano ocupou 24 espaços entre praças, teatros, cafés e bares da cidade, Golgher chegou a produzir dois festivais de jazz menores, também em Belo Horizonte, no início da década passada. Em ambos, seu Café com Letras – misto de café com música ao vivo e espaço para eventos, localizado no bairro central de Savassi – já funcionava como palco.

Segundo Golgher, a estratégia de curadoria do Savassi Festival está diretamente ligada à relação constante que mantém com os músicos da cidade. Isso significa acompanhar os projetos atuais e futuros desses artistas, para poder viabilizá-los como atrações do evento.

Como exemplo, cita o delicioso show de João Bosco, um dos destaques da edição deste ano, que interpretou alguns standards do jazz, como “Blue in Green” e “My Favorite Things”. O cantor, violonista e expoente da MPB tinha a seu lado um sexteto de formação tipicamente jazzística, com destaque para o guitarrista Alexandre Carvalho e o baterista Jimmy Duchowny, norte-americano radicado em Belo Horizonte.

“Essa foi uma ideia do Jimmy, uns cinco anos atrás. Eu trabalho com ele há 19 anos, desde o início do Café com Letras, e os nossos filhos estudam na mesma escola”, conta Golgher. “É de relacionamentos contínuos como esse que surge o diferencial do nosso festival. Esse é nosso jeito de fazer”.  


Outra excelente atração deste ano recebeu o título carinhoso de Jazzinho – uma série de três shows idealizados para o público infantil, ao ar livre, na praça Floriano Peixoto. Após a apresentação do espetáculo musical “Cantigas do Bem Querer”, com a Orquestra Ouro Preto, o pianista André Mehmari hipnotizou crianças e adultos com seus improvisos bastante livres, inspirados em canções do Clube da Esquina, como “Ponta de Areia” (Milton Nascimento e Fernando Brant) ou “Cravo e Canela” (Milton Nascimento).

Fechando a última noite do festival, o pianista Cliff Korman e o saxofonista Nivaldo Ornelas (na foto acima) revisitaram lúdicas melodias do genial Thelonious Monk, como a balada “Ruby My Dear” e a abstrata “Trinkle Tinkle”. Para terminar, uma aparição-surpresa do explosivo pandeirista Sergio Krakowski (ex-integrante grupo Tira Poeira, hoje radicado nos Estados Unidos). Uma ideia tão boa que deveria ser retomada no próximo ano.

Mehmari também brilhou na noite de estreia de seu "Concerto Duplo para Piano, Vibrafone e Orquestra", composto com a intenção de "borrar as fronteiras entre a música popular e a música clássica" (nas palavras do próprio autor). Interpretada por Mehmari, ao lado do vibrafonista Antonio Loureiro e da Sinfônica de Minas Gerais, com regência de Marcelo Ramos, a peça chama atenção por suas cadências repletas de improvisação – algo raro no universo da música sinfônica. 



Ainda muito pouco conhecido por aqui, o compositor e pianista Guillermo Klein (na foto à esquerda) certamente surpreendeu as plateias que acompanharam seus dois concertos no festival –- aliás, suas primeiras apresentações no Brasil. As melodias sedutoras e os ritmos complexos de composições como “Mariana”, “Venga” ou “Amor Profundo” sugerem que esse argentino radicado nos Estados Unidos é um dos nomes para se acompanhar com muita atenção na cena do jazz e da música instrumental contemporânea.

Emocionante também foi o concerto comandado pelo saxofonista e compositor Nivaldo Ornelas, que regeu a Jazz Mineiro Orquestra – formada por outros craques de diversas gerações da música instrumental mineira, como os guitarristas Juarez Moreira e Magno Alexandre, os saxofonistas Cleber Alves e Chico Amaral, o flautista Mauro Rodrigues, o baixista Kiko Mitre e o baterista Neném, entre outros, além da participação especial do guitarrista Toninho Horta. Em composições de Ornelas, como "Colheita do Trigo", "Eterna Amizade" ou "Choratta Quatuor", se ouviu a essência do lirismo da música de Minas Gerais. 


A música mineira também foi devidamente cultuada pelo guitarrista norte-americano Mike Moreno (na foto abaixo), que exibiu belas releituras de clássicos de Milton Nascimento (“Outubro”) e Toninho Horta (“Manuel, o Audaz”), tendo a seu lado o talentoso baixista Frederico Heliodoro, no show intitulado “NY Meets Minas” (Nova York Encontra Minas).

Outras associações entre músicos estrangeiros e locais, como o duo do baixista dinamarquês Jasper Høiby com o percussionista e compositor Antônio Loureiro ou a parceria do saxofonista Tiago Barros com o argentino Guillermo Klein (seu professor de composição), entre outras, só confirmaram o fato de que Belo Horizonte ostenta hoje uma das cenas de música instrumental mais prolíficas e criativas do país. 


Vale ressaltar que o Savassi Festival tem colaborado ativamente para o fortalecimento dessa cena musical, seja por meio dos workshops e residências artísticas que promove anualmente, assim como tem incentivado bastante o diálogo dos músicos locais com os estrangeiros.

Essencial também para o desenvolvimento das carreiras dos instrumentistas de Minas é a iniciativa de realizar edições do Savassi Festival em Nova York (como já se deu em 2013 e 2014), por meio de intercâmbios com escolas de música e universidades norte-americanas, como a Columbia University e a New York University Steinhardt. A edição nova-iorquina deste ano já está confirmada.

Essa internacionalização do festival, segundo Bruno Golgher, não vai se limitar aos Estados Unidos. Depois de contatos iniciais com o Instituto Cultural da Dinamarca, ele já está preparando um intercâmbio com o Norte Europeu. “Para se fazer um único show na Dinamarca são necessários cinco anos de trabalho. Se fôssemos ricos, isso certamente seria mais rápido, mas somos obrigados a usar estratégias de país de periferia. É o nosso jeito de fazer da pobreza uma virtude”, conclui o produtor, com a característica modéstia dos mineiros. 


No vídeo abaixo a homenagem de André Mehmari ao compositor Fernando Brant (1946-2015), em seu concerto no Palácio das Artes, na 13ª edição do Savassi Festival:



1 Comentário:

figbatera disse...

Muito bem! O Festival foi mesmo maravilhoso; eu o acompanho há cerca de 8 anos, sempre interessado em descobrir novos talentos e apreciando os já veteranos e famosos músicos que tb comparecem.
PARABÉNS aos organizadores.

olney figueiredo - Cataguases-mg

 

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