Tetê Espíndola: seu novo álbum e o cultuado "Pássaros na Garganta" em CD duplo

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Não é justo o ônus que a cantora Tetê Espíndola suporta por possuir uma voz privilegiada, além de ser uma intérprete e compositora diferente dos padrões convencionais da música popular brasileira. Em três décadas de carreira profissional, ela já gravou quase duas dezenas de discos originais e criativos, que combinam influências sertanejas mato-grossenses e da música do mundo com experimentações vanguardistas. 

Chegou a se tornar conhecida em todo o país, em 1985, ao vencer o Festival MPB Shell, como intérprete da canção “Escrito nas Estrelas” (de Arnaldo Black e Carlos Rennó). Porém, até hoje Tetê não desfruta todo o prestígio que uma artista de sua estirpe mereceria. E com o passar do tempo, ironicamente, ainda se tornou alvo de humoristas de segunda categoria, que volta e meia tentam imitar sua voz aguda de soprano em troca de risos amarelos.


Injustiças como essas só aumentam a relevância do projeto “Álbum”, CD duplo produzido pelo selo Sesc que destaca o novo disco da cantora, “Asas do Etéreo”, além da reedição do cultuado “Pássaros na Garganta” (1982). Os shows de lançamento – dias 19 e 20, no Teatro do Sesc Vila Mariana, em São Paulo – vão reunir convidados especiais: os multi-instrumentistas Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti, o compositor Arrigo Barnabé, os violonistas do Duofel, o violoncelista Jaques Morelembaum e o trombonista Bocato, entre outros conceituados músicos que participaram das gravações do disco “Asas do Etéreo”. 

Inédito até hoje no formato CD, o álbum “Pássaros na Garganta” ainda é capaz de surpreender, ou mesmo intrigar, aqueles que só conhecem Tetê Espíndola como a cantora do sucesso “Escrito nas Estrelas”. Canções de temática interiorana, como “Cunhataiporã” (de Geraldo Espíndola), “Sertaneja” (Rennê Bitencourt) ou “Amor e Guavira” (Tetê e Carlos Rennó), são interpretadas por ela em tons agudíssimos que só vozes excepcionais conseguem alcançar. Por outro lado, também brilham nesse álbum inventivas composições de Arrigo Barnabé, como “Ibiporã”, na qual Tetê reproduz com humor os sons de “uma rã que salta e que ri”, ou a atonal “Jaguadarte”, cujos versos do poeta Augusto de Campos recriam um poema de Lewis Carroll, em contemporâneo arranjo do pianista Félix Wagner. 


Nada mais natural que, três décadas depois dessas gravações, a inquieta Tetê continue a explorar regiões e nuances de sua rara extensão vocal, no novo álbum. Em “Passarinhão” (parceria com Marta Catunda), ela soa como contralto, ao fazer rasantes voos vocais ao lado de Luiz Bueno e Fernando Melo, os inventivos violonistas do Duofel, que a acompanharam na década de 1980. 


Reencontros como esse ocupam boa parte do disco, que reúne material inédito composto por Tetê em diferentes épocas. Como “Amarelando”, canção pop que ela colore com as cordas de sua craviola, em duo descontraído com o trombone de Bocato, seu ex-colega na banda Sabor de Veneno, comandada por Arrigo Barnabé. Este, em participação mais discreta, contribui com seu expressivo vozeirão, criando ruídos vocais, na soturna “Diga Não”. Já a canção “Asas do Etéreo”, uma das mais belas do álbum, conta com os sons inspiradores das flautas de bambu de Teco Cardoso. 

Também há duos com outros instrumentistas que Tetê, sempre acompanhada por sua craviola, convidou especialmente para esse projeto. A doce canção “Acácias” ganha contracantos inusitados graças ao piano de Egberto Gismonti. Beleza também não falta à gravação de “Menina” (parceria da cantora com Arnaldo Black), cuja gravação conta com o sensibilidade musical do violoncelista Jaques Morelenbaum. Já o arranjo do melancólico samba “Triste Acauã” (parceria com Breno Ruiz) assume ares de trilha sonora com a percussão corporal e o insólito berimbau de boca de Marcelo Pretto, do grupo Barbatuques.

A faixa final não poderia soar mais saborosa: em “Crisálida-Borboleta” (parceria de Tetê com o letrista Carlos Rennó), os engenhosos trocadilhos dos versos dialogam com os improvisos que Hermeto Pascoal desenha no teclado de sua escaleta. Quem deixar de lado os estereótipos e preconceitos, que contribuíram para eclipsar a obra musical de Tetê durante as últimas décadas, pode encontrar boas surpresas ao escutar este oportuno “Álbum”. 


(Texto publicado originalmente no jornal "Valor Econômico", em 13/3/2014) 

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