6º CopaFest: um tributo musical ao maestro Erlon Chaves por Max de Castro

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                                                                       O cantor e guitarrista carioca Max de Castro

Protagonista de um episódio polêmico que escancarou o racismo da sociedade brasileira no final da década de 1960, o maestro Erlon Chaves (1933-1974) será homenageado na sexta edição do CopaFest. Dedicado à música instrumental, esse evento reúne seis shows, de quinta a sábado, no salão Cristal do hotel Copacabana Palace, no Rio.

O tributo musical a Erlon Chaves – autor de arranjos gravados por expoentes da bossa nova e da MPB, como Wilson Simonal, Elis Regina, Alaíde Costa e Agostinho dos Santos, entre outros – foi idealizado pelo cantor e compositor Max de Castro. A coincidência de o maestro e líder da Banda Veneno ter morrido, vítima de um enfarte fatal, no mesmo dia em que Max completou dois anos de idade, é só um dos aspectos que o aproximaram do arranjador paulista.

“Ele e meu pai eram muito amigos”, conta Max, filho do cantor Wilson Simonal (1939-2000). “Eu me lembro de uma foto bem grande do Erlon, em nossa casa. Quando eu era pequeno, cheguei a pensar que ele fosse meu tio. Só fui entender a importância dele já na adolescência”, comenta o músico carioca.

Conceituado arranjador e compositor de trilhas sonoras para filmes e novelas de TV, Erlon viu sua carreira de sucesso despencar da noite para o dia, praticamente, durante o regime militar. Sua provocativa apresentação no Festival Internacional da Canção, no Rio, em 1970, quando cantou a debochada “Eu Também Quero Mocotó” (de Jorge Ben), acabou levando-o a ser detido pela polícia e interrogado, sob a acusação de obscenidade.

 
A insinuação sexual da letra da canção era quase uma brincadeira comparada à performance do maestro, que surgiu no palco fantasiado de marajá, acompanhado por 40 músicos e vocalistas. O clímax se deu com a entrada de duas garotas brancas, seminuas, que se esfregavam nele e o beijavam durante a apresentação. Houve até quem visse simulação de sexo oral, o que teria gerado protestos conservadores, incluindo os de algumas esposas de militares.

“Houve racismo, mas também um lado moralista bem típico tanto de ditaduras de direita como de esquerda. Certamente, o que detonou (as reações conservadoras) foi o fato de aquela ousadia ter partido de um homem negro”, comenta Max.

No baile-show que comandará no CopaFest, na noite deste sábado, o cantor e guitarrista vai lembrar a divertida “Eu Também Quero Mocotó”, assim como “Cosa Nostra”, outro sucesso da Banda Veneno, que era comandada por Erlon Chaves (em perfil, na foto acima), um dos precursores da black music com sotaque brasileiro.

“Erlon foi bastante influenciado pela música americana, especialmente pelo soul-jazz”, comenta Max, observando que um dos ídolos musicais do brasileiro era o hoje megaprodutor Quincy Jones. “Os dois têm características em comum na maneira de escrever os arranjos”, aponta.

O cantor e guitarrista diz ainda que não pretende fazer uma reconstituição fiel dos arranjos do maestro, até porque Erlon trabalhou tanto com orquestras e big bands, como com grupos instrumentais de vários formatos. “Será uma homenagem ao maestro, mas vamos tocar a música dele com a minha cara”, avisa.

Max revela também que está finalizando a mixagem de um novo álbum autoral, com lançamento previsto para 2014. “Além desse disco, provavelmente, também vou lançar outro projeto só com minhas parcerias com Bernardo Vilhena”, diz, referindo-se ao poeta e letrista carioca, que também assina a produção do CopaFest.

Entre as atrações desta edição do festival também se destacam, na quinta-feira, o pianista Wagner Tiso com o reativado grupo Som Imaginário e o Duo Elo. Na sexta, apresentam-se o quinteto do trombonista Raul de Souza e o tecladista Tomás Improta, que vai interpretar canções de Dorival Caymmi.

Mais informações sobre o evento, no site do 6º CopaFest.


Erlon Chaves: documentário e musical vão resgatar vida e obra do maestro paulista

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                               Erlon Chaves (atrás), acompanhando Wilson Simonal, em programa de TV


O tributo musical de Max de Castro ao maestro Erlon Chaves, no 6º CopaFest, não deve ser um evento isolado. Duas outras produções, focadas na vida e na obra do injustiçado arranjador e compositor paulista, têm planos de estrear em 2014, ano em que vão se completar 40 anos de sua morte.

Depois de dirigir um documentário sobre o violonista e arranjador paranaense Waltel Branco, o cineasta Alessandro Gamo está preparando há cinco anos um documentário sobre Erlon Chaves. Contando com assessoria musical do pianista Laércio de Freitas, Gamo já entrevistou vários artistas que trabalharam com o maestro.

O dramaturgo e crítico paulista Aimar Labaki está escrevendo a segunda versão de um musical para teatro, também baseado na história de Erlon Chaves. “Ele é um artista e personagem público que merece ocupar seu lugar de direito”, considera Labaki.


Veja aqui um teaser do documentário sobre Erlon Chaves:

http://vimeo.com/39054602

Hamilton de Holanda: em fase de alta produção, bandolinista lança três álbuns

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Se você ainda não conhece a música de Hamilton de Holanda, já está mais do que na hora. Esse bandolinista e compositor brasiliense, radicado no Rio de Janeiro, é hoje um dos mais criativos expoentes da música instrumental brasileira, reconhecido também em vários países da Europa e nos EUA, onde tem se apresentado. Hamilton costuma dizer que, para ser acessível sem perder a sofisticação, a música precisa ser simples. Um princípio estético que tem tudo a ver com sua personalidade.

Esta entrevista foi realizada, em Olinda (PE), durante a última edição do festival Mimo, onde Hamilton se apresentou ao lado do pianista italiano Stefano Bollani. 

Você tem lançado mais de um disco por ano e, nos últimos meses, saíram três novos álbuns seus: “O Que Será” (pelo selo ECM), com o pianista italiano Stefano Bollani; “Mundo de Pixinguinha” (selo Rob Digital), com diversos convidados; e “Trio” (selo Brasilianos), do seu grupo. Como você explica essa produção tão intensa?
 
Hamilton de Holanda - A vida é movimento. Eu me sinto num momento bem produtivo e não vou me podar, mesmo que isso possa até incomodar algumas pessoas. Já ouvi fãs reclamarem de não ter dinheiro para comprar todos os meus discos. Alguns dos meus CDs estão à venda em lojas ou no iTunes, mas outros estão em meu site, de graça. Daqui a dez ou vinte anos, quero poder olhar pra eles sem ficar pensando que poderiam ter ficado melhores. Quando termino um disco, costumo me desapegar dele. Tenho consciência de que fiz o melhor naquela época.

Como surgiu seu duo com o pianista Stefano Bollani?

HH - Quando eu morava na França, ganhei um disco do Bollani que tinha composições dele, bem diferentes e com harmonias muito bonitas. Na última faixa, ele cantava “Trem das Onze”, do Adoniran [Barbosa], em italiano. Aí pensei: um dia vou cruzar com esse cara e tocar com ele. Não deu outra: em 2009, fui tocar em um festival em Bolzano, na Itália, e participei de um show do Bollani. Tocamos uma do Baden [Powell] e uma do Egberto [Gismonti]. Desde então já fizemos mais de 50 shows juntos. Gosto muito de tocar com ele. Fora o grande musico que o Bollani é, além de todo o conhecimento que ele possui do instrumento, tem muito humor na música que ele faz.

Vocês sempre tocam o repertório desse disco nos shows?

HH - Nós até repetimos uma ou outra música, alguma dele, alguma do Pixinguinha, mas sempre tocamos outras diferentes. Assim o show sempre traz surpresas para o público, mas também gostamos de [criar] surpresas para a gente. “O Que Será” é a gravação do último show de um giro que demos pela Europa, no ano passado. Foi gravado em um festival na Antuérpia, que comemorou os 90 anos do gaitista Toots Thielemans, com umas 5 mil pessoas na plateia. Foi uma noite muito especial.

O álbum “O Que Será” foi lançado pelo ECM, um dos selos independentes mais cultuados na área do jazz e da música instrumental. Você também é fã dos discos do ECM? Como é que se deu esse contato?

 
HH - Sim. Todo cara, que gosta de jazz, gosta do “Koln Concert”, do Keith Jarrett, por exemplo. Ou dos discos do Egberto (Gismonti), do Naná (Vasconcelos) e do Jan Garbarek. O Bollani já tinha um disco lançado com o Chick Corea pela ECM – esse foi o nosso canal. Ele mandou a gravação para o Manfred Eischer [criador e diretor do selo], que adorou. Os dois foram para a Noruega e mixaram o disco em Oslo.

Em “Mundo de Pixinguinha” você toca em duos com um elenco internacional de convidados, como os pianistas cubanos Chucho Valdés e Omar Sosa, o acordeonista francês Richard Galliano, o trompetista norte-americano Wynton Marsalis e o próprio Bollani, entre outros. Como foi a produção desse trabalho?

HH - O processo de criação desse disco foi mais coletivo, até porque envolveu muitos convidados. É um projeto meu, com o meu empresário, o Marcos Portinari, e a produtora Lu Araújo. A ideia surgiu em Brasília, na inauguração de uma exposição sobre o Pixinguinha. O projeto inicial era gravar com três pianistas, mas, de repente apareceu o Wynton, e gravamos o Mário Laginha, quando estive em Lisboa. Depois pensamos que também tínhamos que convidar músicos brasileiros, então entraram o [pianista] André Mehmari, a [flautista] Odette Ernest Dias e o [saxofonista e flautista] Carlos Malta. Foi um processo bem trabalhoso, mas muito divertido. A ideia é justamente expandir um pouco o universo da música do Pixinguinha.

Alguma surpresa durante as gravações? 

 
HH - Eles [os convidados estrangeiros] ficaram encantados. Quando estávamos tocando “Lamentos”, o Chucho [Valdés] parou no meio da gravação, emocionado. O [Richard] Galliano me disse que a música do Pixinguinha pode ser antiga, mas, além de popular, é uma música elaborada, o que permite que ela possa soar eterna, atemporal.

Você tem tocado e gravado em duos, com frequência. O que atrai você nesse formato instrumental? 

 
HH - Eu aprendi a tocar com o meu pai, em casa. Então, mesmo que eu não pense nisso, o duo sempre vai estar presente na minha vida. Tocar em duo é uma relação muito íntima. Tocar sozinho é a intimidade no máximo, mas é uma coisa muito solitária. O duo mantém essa intimidade, mas com alguém. Existe uma cumplicidade muito grande no duo. Tocar em duo também permite dividir a música com outra pessoa. Tenho isso em mim desde pequeno. Meu pai dizia que, se você aprender a tocar um instrumento, vai fazer muitos amigos na vida.

(Versão completa da entrevista publicada no “Guia Folha - Livros, Discos, Filmes”, em 26/10/2013) 


 

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