Pat Metheny e Peter Gabriel: tecnologia 3D permite ver shows com maior proximidade

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A tecnologia 3D, que oferece ao espectador a ilusão de ver um filme em três dimensões (altura, largura e, especialmente, profundidade), começa a ficar mais acessível àqueles que gostam de apreciar shows e concertos em casa. Já estão disponíveis, em edições nacionais, blu-rays 3D com performances recentes de dois figurões da música pop e do jazz: o cantor inglês Peter Gabriel e o guitarrista norte-americano Pat Metheny.

Filmado ao vivo, em março de 2011, no HMV Hammersmith Appolo, em Londres, “New Blood” (lançamento Eagle/ST2), de Gabriel, oferece quase tudo que se pode esperar de um concerto em 3D: som em alta definição, a ilusão de se ver em profundidade tudo que acontece no palco ou até algumas cenas em que os músicos parecem quase saltar da tela.

É o que se vê, por exemplo, durante a canção “Signal to Noise”, uma das 22 faixas desse bluray, cujo repertório inclui arranjos orquestrais de composições de Gabriel extraídas de diversas fases de sua carreira, como “Biko”, “In Your Eyes”, “Mercy Street” e “Don’t Give Up”, entre outras.

No lançamento do álbum “The Orchestrion Project”, em 2010, Pat Metheny mencionou em entrevistas que até sua mulher e amigos pensaram que ele enlouquecera, quando decidiu gravar esse disco acompanhado por uma orquestra robotizada. O guitarrista teve essa ideia ainda na infância ao conhecer o piano automatizado de seu avô.

Como uma espécie de cientista aloprado, Metheny toca sozinho, durante mais de duas horas, instrumentos como piano, vibrafone, marimba, baixo e diversas percussões, que ele aciona por meio de sua guitarra.


Diferentemente de “New Blood”, cujas imagens já foram captadas com câmeras que utilizam tecnologia 3D, “The Orchestrion Project”
(Eagle/ST2) apenas simula o efeito da terceira dimensão com um resultado que deixa a desejar. Além disso, o limitado espaço da igreja de St. Elis, em Nova York, onde o show foi filmado, assim como a iluminação sombria do cenário, não favorecem muito o efeito 3D.

Mas esse não é o maior problema deste projeto de Metheny. Passada a surpresa inicial de se ver em ação os instrumentos da orquestra robotizada, a sensação de estranheza e redundância aumenta a cada nova faixa do disco. Nem o virtuosismo do guitarrista impede que a música soe um tanto fria, quase sem emoção.

Impossível não pensar que os longos improvisos de Metheny já soaram bem mais palatáveis quando acompanhados por bateristas e baixistas de carne e osso. Ao menos por enquanto, robôs ainda são incapazes de tocar com suingue, muito menos improvisar – elementos essenciais em qualquer concerto de jazz. 


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", publicado em 25/5/2013)

À Deriva: quarteto instrumental quer estimular a imaginação dos ouvintes

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                                             O quarteto instrumental À Deriva / Photo by Mariana Chama
O encarte composto por cinco folhas soltas com fotos em preto-e-branco, sem alusão às faixas do CD, já indica que não se trata de um projeto convencional. Com “Móbile”, seu quarto álbum, o grupo instrumental À Deriva pretende estimular a imaginação de seus ouvintes. O quarteto espera que eles façam suas próprias “leituras” das imagens do encarte, associando-as livremente às gravações do álbum.


A ideia de relacionar a música a outras linguagens artísticas não é casual. Em quase 10 anos de carreira, os integrantes desse quarteto paulista já criaram várias trilhas sonoras para cinema e teatro. Sem se prenderem a um estilo, nem a uma formação instrumental fixa, investem nas explorações sonoras mais diversas. Do lirismo da balada “Bom Retiro” ao caos organizado da free jazzística “Carvoeiro”, “Móbile” é um álbum para ser ouvido com a mesma dose de liberdade pedida por um romance de Júlio Cortázar.

(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 25/5/2013)


 

Daniel Maudonnet: pianista e compositor confirma talento em sua estreia em disco

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"Pescador", o primeiro álbum do pianista e compositor Daniel Maudonnet, é sintomático da brilhante fase que a música instrumental brasileira tem vivido nos últimos anos. À frente de um noneto formado por alguns dos melhores músicos de São Paulo, como o baixista Zé Alexandre Carvalho, o trompetista Daniel D’Alcântara e os saxofonistas Josué dos Santos e Vitor Alcântara, entre outros, Maudonnet estreia esbanjando maturidade.

O repertório do álbum é calcado em ritmos brasileiros. De ascendência jazzística, as sete composições e os arranjos são de autoria do próprio Maudonnet, que também assina a produção em parceria com o violonista Michael Ruzitschka. A delicada “Valsa da Solidão”, o vibrante afoxé “Mar Adentro”, a beleza da balada “Park Drive” e o sofisticado baião “Arraial da Ventania” são só algumas das evidências do talento desse jovem músico. 


(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 25/5/2013)



Incognito: banda inglesa abre o Bourbon Festival Paraty com fusões de funk e jazz

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                                      Líder do Incognito, Bluey observa a vocalista Vanessa Haynes, no Bourbon Street

Guitarrista, compositor, produtor, arranjador, vocalista, baixista. São vários os talentos de Jean-Paul “Bluey” Maunick, o criador e líder da banda britânica Incognito, que vai exibir suas dançantes fusões de funk, soul e jazz, na noite de abertura do 5º Bourbon Festival Paraty – desta sexta (24/5) a domingo (26/5), na cidade de Paraty (RJ), ao ar livre e com entrada franca. 

Falando à "Folha de S. Paulo", por telefone, de Londres, Bluey lembrou que em sua única visita ao país, em 1996, quando se apresentou com a Incognito no Free Jazz Festival, estava tão excitado que chegou a dormir uma noite na praia, no Rio de Janeiro.

“As pessoas disseram que eu não deveria fazer aquilo, mas estar no Brasil pela primeira vez era algo muito especial para mim. Infelizmente, naquela viagem não tive tempo para conhecer músicos brasileiros. Mais tarde fiz amizades sólidas com Ed Motta e Alex Malheiros (do grupo Azymuth)”, comenta.

Para os dois shows que fará desta vez Bluey preparou uma espécie de retrospectiva musical das três décadas de sua banda. “Vamos misturar um pouco de tudo que tocamos desde o final da década de 1970. E também algumas surpresas, coisas que as pessoas não esperam que podemos tocar”.


Na quinta-feira, quando se apresentou no Bourbon Street Music Club, em São Paulo, Bluey cumpriu a promessa: surpreendeu a plateia tocando uma versão do clássico funk "Pick Up the Pieces", da banda escocesa Average White Band, lembrou um sucesso da banda carioca Black Rio e ainda chamou o cantor Ed Motta para uma canja.

A rara longevidade da Incognito – numa cena em que tantos artistas e bandas descartáveis surgem tão rapidamente quanto desaparecem – tem a ver, na opinião de Bluey, com suas próprias origens e escolhas musicais.


“Temos a sorte de fazer música que tem história. Quando se abraça uma tradição musical tão rica, que inclui o blues, o jazz, o soul, o funk, ou o que mais saiu dela, como a ‘disco’, a house ou o ‘neo soul’, você pode passar toda sua vida tocando essa música, sem precisar ficar correndo atrás de um novo sucesso. Nossa música não se prende só a uma determinada época”, reflete.

Shows gratuitos

Com 18 atrações musicais, dois palcos e shows itinerantes pelas ruas da cidade, o 5º Bourbon Festival Paraty começa com shows gratuitos do trombonista Raul de Souza e das bandas Incognito e Serial Funkers, com participação de Ed Motta.

Neste sábado, no palco principal, apresentam-se a cantora Céu, o influente baixista norte-americano Stanley Clarke (na foto acima) e a banda Big Sam’s Funky Nation, de Nova Orleans. Também oriunda dessa cidade norte-americana, a veterana cantora Germaine Bazzle vai se apresentar com a The Players New Orleans Jazz Band, no domingo, seguida pelo bandolinista Hamilton de Holanda e pela cantora Mart’nália.

Outros destaques no elenco do evento são o violonista Carlos Barbosa Lima, o cantor e gaitista Paulo Meyer, o projeto Tuto Ferraz Funky Jazz Machine, o gaitista Jefferson Gonçalves e o guitarrista Big Joe Manfra.


(texto publicado parcialmente na versão online da "Folha de S. Paulo")


Jazz, blues e soul em Chicago: enquanto as lojas de discos ainda existem

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                                                                  Fachada da loja Jazz Record Mart, em Chicago

Se você, como eu, passou muitas horas de sua vida vasculhando prateleiras de lojas e sebos de discos, provavelmente vai entender minha surpresa quando tentei comprar alguns lançamentos, em Chicago (EUA), na semana passada. Como aceitar que uma cidade tão importante para as histórias do jazz e do blues moderno possa hoje oferecer, praticamente, apenas uma loja com bons acervos dedicado a esses gêneros musicais?

Lembrar que Louis Armstrong realizou em Chicago, ainda na década de 1920, algumas das gravações mais influentes para a evolução do jazz, ou que foi nessa mesma cidade que Muddy Waters, Howlin’ Wolf e Sonny Boy Williamson eletrificaram o blues, só aumentou minha sensação de estranhamento.


                                                                                         Interior da loja Jazz Record Mart

O fato é que ao visitar a Jazz Record Mart (www.jazzmart.com), na área de River North, no centro de Chicago, com uma lista de uns dez CDs de jazz lançados nos últimos meses, sai de lá com apenas um. Obviamente, eu poderia conseguir comprar todos esses discos pela internet, depois de esperar alguns dias (semanas no Brasil), mas é lamentável perceber que o prazer de se sair de uma loja de discos, com algumas novidades na mão, tornou-se coisa do passado.

Claro que ainda vale a pena visitar a JRM, que se intitula, por sinal, “a maior loja de discos de jazz e blues do mundo”. Mesmo que seja só para encontrar um CD ou um LP menos conhecido de algum músico de jazz que você admira, um DVD que jamais chegou ao Brasil, uma revista especializada (como a “Down Beat” ou a “Jazz Wise”, cada vez mais raras em livrarias e bancas), um livro de referência ou a biografia de algum músico menos badalado. 


                                                                         Fachada da loja Dusty Groove, em Chicago

Se você também se interessa por outras correntes da música negra, como o soul, o funk e o R&B, uma ida à Dusty Groove (www.dustygroove.com), na área de Ukrainian Village, também é um programa essencial em Chicago. Apesar de seu nome, curiosamente, essa loja não tem nada de empoeirada, nem mesmo a relativa bagunça que se encontra no acervo da JRM. Tudo é organizado e bem cuidado, como raramente se vê em alguma loja de usados.

Além de raridades na área da black music, a Dusty Groove oferece também uma razoável seção de CDs e LPs usados de jazz, além de uma seção de música brasileira recheada de LPs raros e CDs (alguns pirateados no Japão e na Europa) que você dificilmente vai encontrar no mercado brasileiro. 



                                                                                    Interior da loja Dusty Groove
A algumas quadras da Dusty Groove, em meio às lojinhas descoladas da Milwaukee Street, na alternativa área de Wicker Park, encontram-se outras lojas de discos usados, como a Reckless Records (www.reckless.com), que tem filiais em outras área da cidade, e a vizinha The Exchange (www.myexchangefranchise.com).


Porém, em ambas, as chances de se encontrar algo mais interessante nas prateleiras de jazz e blues são bem menores, pois, nessas lojas, o rock, o pop e a música eletrônica, reinam quase absolutos. Saí de lá, não sei porquê, com o mote de um antigo sucesso do irreverente sambista baiano Riachão na cabeça: “cada macaco no seu galho”. 

                                                                                  Fachada da loja Reckless Records, em Chicago


44º New Orleans Jazz Fest: Trombone Shorty torna-se astro e vem para o Bourbon Street Fest

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A 44.a edição do New Orleans Jazz & Heritage Festival, que terminou no último domingo, na capital cultural da Louisiana, entra como um marco de renovação na história desse evento. Depois de décadas sendo encerrado com shows da veterana banda local The Neville Brothers, o Jazz Fest consagrou o jovem instrumentista e cantor Trombone Shorty (na foto ao lado) como símbolo de uma nova fase.

“O futuro é agora. A música está em boas mãos”, sintetizou Quint Davis, produtor do festival, logo após a festejada exibição de Shorty, 27, que fez questão de descer do palco principal do evento para cantar e dançar com a multidão predominantemente jovem que o ovacionou, no hipódromo local.

Paulistas e cariocas também terão a chance de conferir, ao vivo, a evolução desse talentoso trombonista e compositor. Na plateia do Jazz Fest, o produtor Edgard Radesca confirmou a presença de Shorty no elenco do próximo Bourbon Street Fest, em agosto, que também incluirá a cantora Wanda Rouzan (na foto abaixo), o guitarrista Leo Nocentelli e as bandas Soul Rebels e Bonerama.

Antes ainda outros dois destaques do festival de Nova Orleans -- a cantora de jazz Germaine Bazzle e a banda Big Sam’s Funky Nation -- virão ao Brasil para a quinta edição do Bourbon Street Paraty (RJ), de 24 a 26 deste mês.



Simbólica também foi a escolha do trompetista Irvin Mayfield, 35, e sua jovem New Orleans Jazz Orchestra, para encerrar o festival de Nova Orleans, no palco dedicado ao jazz moderno. Contando com o carisma da cantora Dee Dee Bridgewater, em releituras de canções do repertório de Billie Holiday (1915-1959), Mayfield promoveu um saboroso encontro de duas gerações musicais.

Algo semelhante foi visto no sábado, quando o cantor e compositor Frank Ocean (na foto abaixo), outro talento nascido em Nova Orleans, atraiu não só uma multidão de teens, que berravam seu nome, mas também quarentões e cinquentões interessados em conferir suas canções, que misturam R&B, soul e hip hop.


Estabelecida como novo polo cinematográfico, além de ter sido redescoberta pela mídia norte-americana, que agora a trata como uma cidade “cool”, Nova Orleans parece enfim ter dado a volta por cima da tragédia deflagrada pelo furacão Katrina, em 2005. 



Quem teve a sorte de acompanhar shows como os de Trombone Shorty, Glen David Andrews, Sasha Masakowski, Mia Borders, Amanda Shaw, The Boutté Family, Ivan Neville’s Dumpstaphunk, Jesse McBride e Fleur Debris, entre dezenas de atrações do New Orleans Jazz Fest, tem motivos de sobra para esperar que essa cidade tão musical brilhe mais ainda no futuro.

(reportagem publicada na "Folha de S. Paulo", em 7/5/2013; viagem realizada a convite do New Orleans Convention & Visitors Bureau e do Bourbon Street Music Club)

 

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