Super Divas: série resgata vozeirões de cantoras brasileiras de outras épocas

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Antes que a Bossa Nova se estabelecesse com sua estética minimalista e contenção “cool”, no final dos anos 1950, cantores com vozeirões, interpretações melodramáticas e repertórios bem ecléticos davam o tom na cena da música popular brasileira. O sopro de modernidade trazido por João Gilberto e sua geração bossa novista praticamente varreu do cenário musical esses artistas, que passaram a soar extemporâneos aos ouvidos mais antenados daquela época. 
 
Até por serem menos lembradas hoje, originais cantoras brasileiras, como Leny Eversong (na foto acima), Eliana Pittman (abaixo), Ademilde Fonseca, Carmélia Alves, Rosana Toledo, Waleska e Cláudia, merecem atenção entre os 13 volumes da série Super Divas (lançamento EMI), que acaba de chegar às lojas. A coleção inclui também intérpretes mais consagradas e de estilos diversos, como Maysa, Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira, Angela Maria, Aracy de Almeida e Maria Alcina.

Mesmo quem conheceu durante os anos 1950 ou 1960 a espetacular paulista (nascida em Santos) Leny Eversong, ainda pode se surpreender ao ouvir hoje seu canto grandiloquente. Artista de extremos, ela extraía dramaticidade de tudo que cantava: de sambas canções (“Nunca”, de Lupicinio Rodrigues) a standards do jazz (“Tenderly”, de Lawrence e Gross); de baiões (“Do Pilá”, de Jararaca) a ritmos afro-cubanos.


Sua interpretação para o medley “El Cumbanchero/Tierra va Tembra” (de Hernandez/Merceron; veja o video abaixo) é uma aula quase teatral de kitsch. Num arranjo hiperdramático e repleto de nuances e mudanças inesperadas, Leny grita, dá gargalhadas, repete com seu vozeirão potente as divisões rítmicas da percussão, simula o som estridente dos metais da orquestra. Divertidíssima também é a versão orquestral da canção latina “Jezebel”, seu maior sucesso. Uma intérprete que cantava com o útero.

Também eclética e adepta de efeitos teatrais, a carioca Eliana Pittman mistura sambas (“Esse Mar é Meu”, de João Nogueira), música judaica (“Tzena, Tzena, Tzena”), folclore brasileiro (“Estrela é Lua Nova”, recolhido por Villa-Lobos), pop dos anos 1970 (“Maria Joana”, de Roberto e Erasmo Carlos, canção censurada na época por se referir à maconha) e marcha-rancho (“O Castelo”, de Mara). Enteada do saxofonista norte-americano Booker Pittman, ela também costumava enveredar pelo jazz, como em “Summertime” (dos irmãos Gershwin), num suingado arranjo orquestral de Erlon Chaves.

 
Uma das poucas remanescentes da chamada Era do Rádio, a fluminense Angela Maria estabeleceu-se na década de 1950, cantando sambas-canções e boleros, em geral com um viés melodramático. Já nesta antologia, que focaliza sua carreira durante os anos 1970, ela injeta malicia no cha-cha-chá “Usei Você” (Silvio Cesar), derrama bom humor na marchinha carnavalesca “Casamento da Zezé” (Augusto e Maria) e romantismo na versão de “I’ll Never Love This Way Again”, o hit de Dionne Warwick.

Idealizada e produzida pelo jornalista e pesquisador Rodrigo Faour, a série inclui cerca de 250 gravações remasterizadas e privilegia algumas faixas mais raras, em vez de se concentrar nos batidos sucessos de cada artista. Dois dos 13 CDs são duplos: o da “rainha do choro” Ademilde Fonseca, que morreu em março último, e o da “rainha da voz” Dalva de Oliveira. Aliás, no quesito excessos, seja de dramaticidade ou de arroubos vocais, a série Super Divas está repleta de gravações de rainhas. Para serem ouvidas sem preconceitos. 


(Texto publicado no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 28/7/2012)

1 Comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Ângela,Dalva,Elizeth,amo as grandes vozes.

 

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