4º CopaFest: cenas de um festival de música instrumental brasileira (e algo mais)

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       Arthur Verocai (centro), Luiz Alves, Idriss Boudrioua e Nivaldo Ornelas / Photo by Carlos Calado

À primeira vista, o CopaFest – realizado de 20 a 22/10, no hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro – parece um festival voltado exclusivamente à música criada por instrumentistas brasileiros, mas sua quarta edição mostrou que seus curadores, felizmente, não encaram esse perfil musical com rigidez.

No show de abertura, o saxofonista Mauro Senise e o pianista Gilson Peranzzetta, bem acompanhados por Zeca Assumpção (contrabaixo), Rafael Barata (bateria) e um quarteto de cordas, recriaram canções e temas instrumentais de Edu Lobo (expoente da canção brasileira que, vale lembrar, sempre dedicou parte de sua obra à música sem palavras), como o vibrante “Casa Forte” e o cinematográfico “Arpoador”. Já nos números finais, o próprio Edu entrou em cena para cantar algumas de suas obras primas, como "Choro Bandido", "A História de Lily Braun" (parcerias com Chico Buarque) e “Vento Bravo”. (veja os vídeos abaixo)

 
                      Zeca Assumpção (esq. para dir.), Mauro Senise e Edu Lobo/ Photo by Carlos Calado

Só pelo inusitado baile-show planejado para a sexta-feira, esse festival já teria sido um sucesso. A noite começou muito bem, com a apresentação do Clube do Balanço. Comandada pelo guitarrista Marco Mattoli, a banda paulista fez a alegria dos dançarinos mais experientes, tocando uma seleção instrumental de clássicos do samba-rock e do sambalanço, incluindo inusitadas versões do mambo “Tequila” e da jazzística “Café Reggio” (da trilha do filme “Shaft”).

No bis exigido pela plateia, veio uma surpresa: a “canja” do cantor e compositor carioca Orlandivo (que foi crooner da banda do tecladista Ed Lincoln, homenageado da noite), relembrando com a devida malemolência seu clássico “Palladium”.


                                          O guitarrista Marco Mattoli e o cantor Orlandivo / Photo by Carlos Calado

O retorno do tecladista e arranjador Lincoln Olivetti aos palcos cariocas, em seguida, não poderia ter sido mais festivo. As presenças de Jorge Benjor, Fernanda Abreu, Marisa Monte, Daúde, Charles Gavin e Ronaldo Bastos, na plateia, deram uma medida do frisson causado pelo evento.

Sorrindo, ao lado de músicos jovens, como o tecladista Donatinho, o guitarrista Davi Moraes e o baixista Kassin, além de um afiado naipe de sopros, Olivetti relembrou sucessos de sua parceria com o guitarrista Robson Jorge, como “Eva”, “Ginga” e “Aleluia”, reconhecidos de cara pela plateia. Também fez seu tributo a Ed Lincoln, recriando o sambalanço “Palladium”, exibiu um sensacional arranjo de “Spinning Wheel” (hit da banda Blood, Sweat & Tears), em ritmo de samba, e só conseguiu sair do palco depois de bisar três números.


                         Davi Moraes e Donatinho cumprimentam Lincoln Olivetti / Photo by Carlos Calado

Os sorrisos do baixista Luiz Alves, deliciando-se com as surpresas contidas na original “Flying to L.A.”, composição de Arthur Verocai, repetiram-se nos rostos de muita gente, na plateia da terceira e última noite do CopaFest. Alguns, provavelmente, estavam ali ouvindo pela primeira vez a música desse veterano guitarrista e arranjador carioca, que ainda poucos brasileiros conhecem.

“Nunca fiz um show como este aqui no Rio, aqui na minha terra”, disse Verocai, emocionado, tendo a seu lado uma banda repleta de grandes instrumentistas, como o baterista Pascoal Meirelles e os saxofonistas Nivaldo Ornelas e Idriss Boudrioua. Depois de deliciar a plateia com belezas instrumentais de sua autoria, como “Sucuri”, “Balada 45” e “Tudo de Bom”, além de homenagear Copacabana, bairro onde nasceu, com o sinuoso samba “Posto 6”, o compositor ainda chamou ao palco Daíra Sabóia, Clarisse Grova e Sanny Alves, para cantar “Na Boca do Sol”.



                                                    O percussionista Airto Moreira / Photo by Carlos Calado
Figura rara em palcos do país desde o final da década de 60, quando se radicou nos EUA, o percussionista Airto Moreira começou seu show com garra. Relembrou a beleza selvagem de “Lilia” – composição de Milton Nascimento, lançada no cultuado álbum “Native Dancer” (1972), em parceria com o jazzista Wayne Shorter – de cuja gravação original participou.

Pena que a participação da banda Eyedentity, que destaca a cantora Diana Booker (filha de Airto e Flora Purim) e seu marido, o também percussionista Krishna Booker, tenha ficado muito aquém do talento do grande mestre da percussão mundial. Misturando hip hop, baião, rock, trip hop e outras referências musicais, em seus improvisos, essa banda californiana exibiu um som híbrido e viajandão que, ironicamente, carece de identidade.

Um final meio morno para um festival que tem sabido explorar com sucesso toda a riqueza e a diversidade da música instrumental brasileira – sem radicalismo.

(texto parcialmente publicado na “Folha de S. Paulo”, em 24/10/2011)






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