Seu Jorge: a responsabilidade de ser um ícone do Brasil pelo mundo

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Demorou quase um ano, mas finalmente ganhou edição nacional o CD que Seu Jorge gravou em parceria com músicos da banda pernambucana Nação Zumbi. “Seu Jorge e Almaz” (EMI, 2010) traz releituras meio psicodélicas de “Errare Humanum Est” (Jorge Ben), “Cristina” (Tim Maia e Carlos Imperial), “Cirandar” (Martinho da Vila e João de Aquino), “Everybody Loves the Sunshine” (Roy Ayers) e “Juizo Final” (Nelson Cavaquinho), entre outras. Ao lado do cantor e ator carioca estão Lucio Maia (guitarra) e Pupillo (bateria e percussão), ambos da Nação Zumbi, e Antonio Pinto (baixo, teclados e cavaquinho).   

Nesta entrevista exclusiva, Seu Jorge fala sobre sua carreira no cinema, comenta o impacto social do filme “Tropa de Elite” e antecipa novidades sobre seu próximo disco, “Músicas para Churrasco”.

Um dos achados do álbum “Seu Jorge e Almaz” é o samba “Saudosa Bahia”, de Noriel Vilela – integrante dos Cantores de Ébano, que morreu prematuramente, em 1974, e tinha uma voz tão grave quanto a sua. O preconceito racial contribuiu para que a obra dele ficasse no ostracismo?
Seu Jorge - Sim, totalmente. E isso não tinha a ver apenas com a cor da pele dele, mas também com o credo. A intolerância daquela época não admitia que se falasse de candomblé, que era visto como coisa de “gente não-qualificada”. Hoje, o Noriel seria uma sensação, uma paulada.  

Além de contribuir para divulgar sua música, o cinema influenciou de alguma maneira o seu ofício de cantor e compositor?
Seu Jorge - Com certeza. Trabalhando com grandes diretores, como Fernando Meirelles, José Padilha, Andrucha Waddington, Wes Anderson, você troca idéias, sugestões ou mesmo experiências de vida, que um dia pode acabar utilizando na música. No cinema há muita troca e essa experiência certamente contribuiu para eu me tornar um músico melhor. Dez anos atrás tive a grande sorte de participar de “Cidade de Deus”, filme que me conduziu ao mundo, com a velocidade de um trem-bala. 

Há décadas a música brasileira serve de veículo para despertar o interesse por outras áreas de nossa cultura, especialmente no exterior. Isso está mudando? O cinema pode desbancar a música nesse papel?
Seu Jorge - Acho que o cinema pode contribuir muito nisso, mas jamais vai desbancar a música, porque ela tem um papel mais profundo na nossa cultura, que é oral. No Brasil, a música praticamente substitui a literatura através dos sambas-enredos, das canções. Nossa história está muito associada à música. Na luta contra a ditadura, por exemplo, o papel da música foi decisivo. Ela também representa a nossa alegria no mundo todo. Por outro lado, vejo o cinema ganhando uma força monstruosa e “Tropa de Elite” está aí para mostrar isso. Lembro que, dez anos atrás, um cara da favela que foi assistir “Cidade de Deus”, numa sala de cinema, nem sabia o que fazer com o tíquete. Não tínhamos o hábito, nem dinheiro, para ir ao cinema. Hoje o Brasil está fazendo um cinema forte, que diverte, mas também desempenha a função de investigar. Alguns podem até dizer que não, mas “Tropa de Elite” influenciou diretamente a invasão do Morro do Alemão, no Rio.  

O site da rede CNN elegeu há pouco o Brasil como “o povo mais legal do mundo” e destacou você como “ícone cool” do país. O que isso representa pra você?
Seu Jorge - Muita responsabilidade. Não posso chegar mal arrumado ou mal cheiroso em qualquer lugar, porque estou personificando a imagem do povo brasileiro. E o nosso povo vai muito bem, por sinal. No mundo todo está rolando um êxodo de brasileiros, que têm voltado para casa. Quem toca só para brasileiros, na Europa, nos EUA ou no Japão, está passando perrengue porque os brasucas não estão mais lá.

Já foi anunciado que seu próximo disco sai em agosto. Será um trabalho mais autoral?
Seu Jorge - Sim, vai se chamar “Músicas para Churrasco - vol. 1” e é um disco de crônicas. Imaginei uma rua, num bairro de periferia, onde todo mundo se conhece menos uma garota que chega para morar lá. As músicas têm cara de domingo, com muito calor, carnezinha rolando e crianças tomando banho de [mangueira] borracha. É música popular, divertida, mas sem baixar o escalão, nem apelar para a vulgaridade.

(publicada originalmente no “Guia Folha – Livros, Disco, Filmes”, em 25/2/2011)



2 comentários:

Hermes disse...

Seu Jorge é o bicho; presença, voz, interpretação super brasileira. Campeão.

Ps- sou compositor e gostaria de um contato com CArlos Calado e seu Jorge. Alguém poderia me enviar o e-mail deles?
Grato, Hermes
hermespetrini@yahoo.com.br
PS- há algumas canções minhas postadas em www.palcomp3.com/hermespetrini

Carlos Calado disse...

Olá, Hermes,
meu e-mail é o carloscalado.musica@gmail.com

 

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