Luciana Souza: outras boas doses de samba e jazz com sotaque brasileiro, em "Tide"

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                                                                                                                                      Foto: Gabriel Rinaldi

Um ano após o lançamento no exterior, chega ao mercado brasileiro “Tide” (Verve/Universal), oitavo álbum de Luciana Souza. Radicada há duas décadas nos EUA, onde desfruta de grande prestígio na área do jazz, a cantora e compositora paulistana volta a contar nesse álbum com o violão de Romero Lubambo, seu antigo parceiro, e com o baixo e a produção de Larry Klein, seu marido. Outros jazzistas de renome participaram das gravações, como Larry Goldings (piano e órgão) e Vinnie Colaiuta (bateria).

Filha do compositor e violonista Walter Santos e da letrista Tereza Souza, autores de vários sucessos da bossa nova criada em São Paulo, Luciana retoma no repertório de “Tide” vertentes que marcam seus trabalhos anteriores. Com a sensibilidade e a técnica impecável de sempre, ela relê clássicos da bossa, como “Eu Quero Um Samba” (de Janet de Almeida) e “Sorriu Pra Mim” (de Garoto e Luis Claudio), interpreta poemas musicados de E.E. Cummings e Paulo Leminski, e canta composições inéditas que fez em parceria com Larry Klein e David Batteau.

Falando por telefone de Los Angeles, na Califórnia, onde vive, Luciana relembrou a dificuldade de produzir esse disco, no mesmo período em que perdeu os pais e viu nascer seu filho. Comenta também que a música brasileira continua prestigiada no exterior. E revela que planeja gravar um álbum em homenagem a Walter e Tereza, seus pais.

Esse CD transmite uma sensação de serenidade que não havia em seus primeiros discos. Isso tem a ver com sua experiência recente de maternidade ou com a maturidade dos 44 anos?
Luciana Souza - O processo de feitura desse disco coincidiu com a morte dos meus pais e com o nascimento do Noah, meu filho. Não foi fácil encarar quase ao mesmo tempo dois momentos tão tristes da minha vida e uma das coisas mais lindas que eu poderia experimentar. Sempre conversei com meus pais sobre meus trabalhos. Desta vez, sem os dois, tive que encontrar algo dentro de mim, um centro, para poder continuar, no meio também dessa depressão geral que tomou conta da economia. Apesar de todos os altos e baixos, foi muito legal a sensação de ter conseguido seguir em frente.

Como você escolheu o repertório? 

Luciana - Decidi com o Larry [Klein, baixista e produtor do CD] gravar as coisas que mais gosto: clássicos da bossa nova, sempre homenageando João Gilberto e meu pai, algumas canções originais e poemas de Paulo Leminski e E.E. Cummings. Não sei se esse disco tem a ver com maturidade, mas posso dizer que ele é muito honesto, no sentido de representar tudo o que eu faço ao vivo. Eu canto samba, bossa nova, jazz, canções mais abstratas e uma do Paul Simon, sem letra.

Você abre esse disco com “Adeus América”, samba de Haroldo Barbosa e Geraldo Jacques, que fala de um brasileiro que vive nos EUA e morre de vontade de voltar. Essa escolha foi casual ou a saudade apertou mesmo? 

Luciana - Tenho saudade de tudo que vivi no Brasil, mas é saudade de um Brasil utópico, que já não existe mais. O samba que eu conheci 30 anos atrás, por exemplo, já é outra coisa hoje. Vou morrer com essa saudade, mas não penso em voltar. Não por não gostar do país, mas porque nunca me dediquei a construir uma carreira no Brasil.

Como você é classificada hoje, nos EUA, como artista?

Luciana - Acho que ainda sou considerada uma cantora de jazz, por causa dos músicos com os quais me associo ou pelas indicações ao Grammy que recebi nessa área. Não é à toa que me chamam de “cantora brasileira de jazz”. Meu lado brasileiro sempre será o mais forte, é a linguagem mais pura que eu tenho.

A música brasileira foi favorecida pelo aumento do prestígio do Brasil no mundo? 

Luciana - Por onde eu tenho circulado, o Brasil é favorecido. A música brasileira ainda é encarada como “world music”, mas ela é uma coisa distinta. Tanto é que aqui não se inclui o Brasil na música latino-americana. Quando faço shows na Europa, percebo que as pessoas sabem quem é Marisa Monte, Rosa Passos, Céu, Vanessa da Mata, Chico Pinheiro.

Você dedicou “Tide” aos seus pais. Já pensou em gravar um álbum só com canções dos dois?

Luciana - Pensei e gostaria muito. Seria uma homenagem ao meu pai, não só com composições dele, mas também com canções que refletem o que ele e minha mãe gostavam na música: Tom Jobim, Luiz Bonfá, Francis Hime, Chico Buarque. Para os arranjos de cordas eu chamaria Vince Mendoza e Johnny Mandel. Esse disco já está pronto na minha cabeça. Só tem um pequeno problema (risos): ele custaria uns 100 mil dólares.

(Entrevista publicada no “Guia da Folha – Livros, Discos e Filmes”, em 27/08/2010)



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