Adoniran Barbosa: 35 intérpretes para relembrar a obra do centenário sambista de São Paulo

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O ano em que se comemora o centenário de Adoniran Barbosa (1910-1982) já vai pela metade, mas só agora surge a primeira homenagem consistente em disco ao compositor paulista que melhor traduziu, em sua obra, os personagens populares, os contrastes sociais e a diversidade étnica e cultural da cidade de São Paulo.


Idealizado pelo produtor Thiago Marques Luiz, que já realizou no ano passado um projeto semelhante dedicado à obra do sambista Ataulfo Alves, o CD “Adoniran 100 Anos” (lançamento Lua Music) combina em seu elenco diversas gerações de intérpretes do samba, da MPB, do pop nacional ou mesmo da chamada vanguarda paulista dos anos 1980.

Com direção musical do violonista Rovilson Pascoal e do baixista André Bedurê, que também participam de várias das gravações, o álbum é um exemplo de síntese. Utilizando o recurso do “medley” (fusão de diferentes canções), as 24 faixas reúnem 34 composições de Adoniran, gravadas por 35 intérpretes. Um projeto relativamente ambicioso, que resultou em um abrangente painel da obra desse compositor.

Assim há espaço no álbum não só para os sambas mais populares de Adoniran, como “Tiro ao Álvaro” (parceria com Osvaldo Molles), que Zélia Duncan relê com leveza, ou “Saudosa Maloca”, interpretado com dramaticidade por Jair Rodrigues. Também entram composições menos conhecidas, como o ácido samba “Armistício” (parceria com Eduardo Gudin), na voz segura de Fabiana Cozza, ou o samba-canção “Quando Te Achei” (parceria com a poetisa Hilda Hilst), que Cida Moreira interpreta com a devida melancolia.

De maneira geral, sente-se a intenção de respeitar o sentido original das composições de Adoniran. Mesmo que o arranjo de “Um Samba no Bixiga” inclua guitarra elétrica e teclados, a irreverente Maria Alcina mantém a pronúncia acaipirada da letra original. Até a carioquíssima cantora Mart’nália tenta reproduzir com graça o italianado sotaque paulista do samba “As Mariposas”.

Esse cuidado em não desvirtuar o original está presente até em releituras mais arrojadas, nas quais os ritmos foram alterados. É o caso do samba “Malvina”, que foi colorido com ritmos cubanos na saborosa versão de Maurício Pereira. “Iracema”, outro dos sambas mais populares de Adoniran, quase vira uma inusitada guarânia, na gravação da sul-mato-grossense Tetê Espíndola, que não economiza nos tons mais agudos dos vocais enquanto dedilha as cordas de sua craviola.

Nesse grupo de versões livres, talvez a mais arriscada seja justamente a do popular “Trem das Onze”. A guitarra de Edgard Scandurra e a percussão de Guilherme Kastrup criam texturas típicas do rock e da música eletrônica, mas os vocais contidos de Arnaldo Antunes soam como se o ritmo do samba ainda estivesse presente na gravação.


Mas o que mais importa é que essas novas versões, gravadas por interpretes de estilos e gerações diversas, trazem atualidade e um novo frescor à obra de Adoniran. Tomara que elas possam contribuir para que essa obra se mantenha viva por outro século.

(texto originalmente publicado no "Guia da Folha - Livros, Discos e Filmes", em 30/07/2010)


2 comentários:

THIAGO disse...

Calado, obrigado por divulgar nosso trabalho. Sempre acompanho suas críticas. Abs.

Thiago Marques Luiz.

Carlos Calado disse...

Thiago, parabéns pelo projeto.
Abraço

 

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