Return to Forever: Chick Corea reencontra seus velhos parceiros da fase jazz-rock

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Se tantos dinossauros do rock voltaram aos palcos, por que uma banda como a Return to Forever, uma das mais originais nas fusões do jazz com o rock durante a década de 70, não poderia fazer o mesmo? O reencontro de Chick Corea (teclados e piano), Al Di Meola (guitarra e violão), Stanley Clarke (baixo elétrico e acústico) e Lenny White (bateria) se deu no verão de 2008, em turnê mundial. Gravado ao vivo, nos EUA e no festival de Montreux (Suíça), este CD duplo (lançamento ST2) mostra como esses músicos satisfazem o desejo dos fãs de vê-los tocar de novo seus sucessos, sem abrir mão da maturidade que adquiriram.

Faixas como “Hymn of the Seventh Galaxy” e “Song to the Pharaoh Kings” conservam a essência elétrica e a alta dose de testosterona da “fusion”, mas, para aqueles que esperam mais que um mero revival, os melhores momentos estão nas releituras acústicas de “No Mistery” e “Romantic Warrior” ou nos solos de Corea, Clarke e Meola. Músicos desse quilate não se contentariam em apenas decalcar o passado.

(resenha publicada no “Guia da Folha – Livros, Discos e Filmes”, em 29/05/2009)




Ivo Perelman: o free jazz descobre a rítmica brasileira, em "Ibeji Sessions"

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Caso raro no universo do jazz de vanguarda, o saxofonista paulistano Ivo Perelman desenvolveu ao longo de duas décadas, nos EUA, uma obra extensa (já lançou 32 álbuns próprios), na qual a alta intensidade sonora e a cacofonia características desse estilo convivem com algumas doses de lirismo.

O CD duplo “The Complete Ibeji Sessions” (lançado no Brasil pelo selo Editio Princeps) reúne seus álbuns “Soccer Land” (1994) e “Tapeba Songs” (1995). Nessa fase, Perelman ainda tentava encontrar uma síntese entre a linguagem do free jazz (a influência de Albert Ayler é evidente na sonoridade rouca de seu sax tenor) e a rítmica brasileira, improvisando sobre sambas, baiões, cantigas de roda e outras manifestações de nosso folclore. Zé Eduardo Nazário (bateria e percussão), Lelo Nazário (teclados) e Paulo Bellinati (violão) estão entre os convidados que participaram dessas gravações.

(resenha publicada no “Guia da Folha – Livros, Discos & Filmes”, em 29/05/2009)



Cassandra Wilson: mais próxima de New Orleans e do blues

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Ela só esteve uma vez no Brasil, em 1994, quando substituiu às pressas o cantor Mel Tormé, no extinto Free Jazz Festival. Agora, já consagrada como uma das maiores intérpretes do jazz, Cassandra Wilson, 53, retorna para se apresentar no Bourbon Street (amanhã), no HSBC Brasil (sexta) e no Vivo Rio (domingo).

“Os dias que passei aí foram excitantes, mas não tive tempo para conhecer a Bahia, o que quero muito fazer desta vez. Sinto que essa será uma experiência que vai enriquecer minha vida”, diz a cantora à “Folha”, falando de sua casa em Jackson (no estado do Mississipi, sul dos EUA), onde nasceu.

Quem acompanha a carreira de Cassandra desde os anos 80, quando seu vozeirão expressivo despontou no M-Base (um vanguardista coletivo de jazzistas radicados em Nova York), sabe que em seus últimos discos ela tem demonstrado uma ligação mais profunda com o blues – algo evidente em suas releituras de clássicos de Robert Johnson e Muddy Waters.

“Tudo parece levar a que eu me aproxime mais do blues, este que foi um dos componentes primários do jazz. Como o blues é uma música bastante emocional, quanto mais eu amadureço, melhor entendo como essa emoção pode ser poderosa”, comenta.

A intimidade com o blues e outras vertentes musicais do sul dos EUA também transparece na banda que a acompanha. Seu quinteto, que inclui Marvin Sewell (guitarra) e Lekan Babalola (percussão), destaca três dos melhores músicos da atual cena do jazz em Nova Orleans: o baterista Herlin Riley, o baixista Reginald Veal e o pianista Jonathan Battiste.

“Sou muito próxima de Nova Orleans, em termos culturais, porque Jackson fica apenas duas horas ao norte”, justifica a cantora. “A comida, que é algo muito importante, o clima ou mesmo o dialeto que se fala nessas cidades, são muito próximos. A geografia permite essa afinidade”.

Mas essa é só uma faceta do eclético repertório de Cassandra, que em “Loverly” (Blue Note), seu último CD, recria standards do jazz, como a exótica “Caravan” (Duke Ellington) e a romântica “The Very Thought of You” (Ray Noble). Ou até um clássico da bossa nova, como “Black Orpheus” (versão de “Manhã de Carnaval”, de Luiz Bonfá).

(publicada na “Folha de S. Paulo”, em 27/05/2009)



Wayner Shorter: três apresentações bem diversas no festival de Montreux

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Um dos solistas e compositores mais originais do jazz moderno, o saxofonista norte-americano Wayne Shorter aparece neste DVD em três diferentes apresentações no festival de Montreux, na Suíça. O registro mais recente é o de menor interesse: flagra Shorter, em 1996, com um projeto calcado na “jazz fusion” eletrificada da Weather Report, sua banda dos anos 70.

O melhor de "Live at Montreux 1996" (lançamento do selo ST2) está mesmo nos extras, que ocupam grande parte do disco. Em 1991, com Herbie Hancock (piano), Ron Carter (baixo), Tony Williams (baixo) e Wallace Roney (trompete), o saxofonista revive o inventivo quinteto que Miles Davis comandou na década de 1960. Já na apresentação de 1992, Shorter improvisa sua obra-prima, “Footprints”, com Hancock, Stanley Clarke (baixo) e Omar Hakin (bateria).

(resenha parcialmente publicada na “Folha de S. Paulo”, em 20/05/2009)



Dionne Warwick e Gal Costa: o esboço de um show em duo

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O projeto de um show em duo já existe há mais de uma década, mas as carreiras de ambas o impediram de acontecer. Ainda não foi desta vez, mas, ao convidar Gal Costa para fazer uma participação especial em sua turnê por quatro capitais do país, a cantora Dionne Warwick, 68, esboça a parceria.

“Gal tem uma voz maravilhosa. Canta de uma maneira doce e simples, fácil de ouvir”, diz a norte-americana, lembrando que, mesmo depois de conhecer algumas gravações da brasileira, ficou impressionada ao ouvi-la pela primeira vez, ao vivo, em um concerto de Tom Jobim, em Los Angeles (EUA), no final dos anos 1980.

Reconhecida como a maior intérprete das canções de Burt Bacharach e Hal David, Warwick emplacou dezenas de sucessos nas paradas internacionais ao longo da década de 1960, como “Alfie”, “I’ll Never Fall in Love Again” e “The Girl’s in Love With You”, entre outras assinadas pela dupla.

Fã da música brasileira, já chegou a morar no Rio, na década passada. Em 1994, gravou o CD “Aquarela do Brasil”, que destaca canções de Ary Barroso e Tom Jobim. Em 2007, contou com Jorge Ben Jor, Ivan Lins, Milton Nascimento e Gilberto Gil, no show “Dionne Warwick & Amigos”, cuja gravação rendeu material para um DVD, que deve chegar ao mercado até o final do ano.

Como Gal não pôde participar daquele show, Warwick ainda planeja incluir no DVD algum dos números que vai fazer com ela nesta turnê. Mas não adianta perguntar o que vão cantar juntas, nem mesmo qual é o repertório deste show.

“Prefiro que seja surpresa”, diz a norte-americana, esquivando-se. Obviamente, não vão faltar canções de Burt Bacharach, certo? “Sim, vou cantar algumas”, confirma, rindo. Gal respeita a vontade da amiga e mantém o mistério, mas revela que entre as três canções que vai interpretar, na companhia do pianista Cristovão Bastos, há pelo menos uma de Tom Jobim.

Já quando se pergunta a miss Warwick (atual embaixadora de alimentos e agricultura mundial da ONU) o que a desagrada no Brasil, ela vai direto ao ponto. “A pobreza e a desigualdade social, mas esse não é um problema só do Brasil. Isso existe em quase o mundo todo”, afirma a cantora norte-americana.


(publicada na "Folha de S. Paulo", em 9/05/2009)


Wagner Tiso: como combinar influências musicais com elegância

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No recém-lançado álbum “Samba e Jazz – Um Século de Música” (selo Trem Mineiro), o pianista, compositor e arranjador Wagner Tiso explora o parentesco entre esses dois gêneros musicais, driblando suas convenções com equilíbrio e bom gosto. Nesta entrevista exclusiva, ele relembra como essas vertentes musicais surgiram em sua trajetória.

Depois de lançar os álbuns "Debussy e Fauré Encontram Milton e Tiso" (1997) e "Tom e Villa" (2000), você encerra essa trilogia dedicada às suas influências com “Samba e Jazz - Um Século de Música”. Como você se envolveu com o jazz?
Wagner Tiso - Só tive mais contato com o jazz ao mudar para Belo Horizonte. Em Três Pontas, onde nasci, a música mais próxima do jazz que eu e o Milton (Nascimento) conhecíamos era a do Ray Charles. Ou então Frank Sinatra, cantando com big bands. Quando fui para Belo Horizonte, aos 16 anos, conheci o jazz dos grandes solistas e compositores. Eu e Milton tomamos contato com a música do Miles Davis, do John Coltrane, e nos aprofundamos mais na audição das big bands, como a do Count Basie, que eu homenageio neste disco. Tinha uma boate na cidade, chamada Berimbau, onde se tocava muita bossa nova e jazz. Ali eu já tocava músicas do Coltrane e do Miles que estão neste disco.

E como o samba entrou em sua história?
Tiso - Aos 18 anos fui para o Rio de Janeiro, onde comecei a tomar contato com os chamados sambas de meio de ano, de Geraldo Pereira, Bide e Marçal, entre outros que eu ainda não conhecia. O samba que chegava a Três Pontas, no máximo, era o do Ary Barroso ou o do Noel Rosa. Fora isso, eu ainda não tinha proximidade com o samba urbano do Rio. Naquela época, os artistas ainda não tinham seus grupos. Todos se apresentavam com os músicos fixos das casas noturnas. Por isso, tocando na boate Drink, cheguei a acompanhar o Cauby (Peixoto), Agostinho dos Santos e Ivon Cury. E como organista do bar Arpège, eu participei do, talvez, último show do Ataulfo Alves. Foi assim que eu tive contato direto com o samba de verdade, não o samba que aparecia nos filmes do Walt Disney.

Além de terem ascendência africana, o samba e o jazz foram influenciados pela música européia. Como você encara esse parentesco?
Tiso - É um parentesco muito forte, apesar da grande diferença que existia entre a colonização portuguesa e a inglesa. A colonização portuguesa era mais chegada à África do que a colonização inglesa. O parentesco entre o samba e o jazz foi se revelando com o andar do século 20. Eu não diria que aconteceu uma fusão, mas, com o tempo, foi aumentando a aproximação entre eles, com um influenciando o outro, e, claro, com a harmonia romântica européia reinando.

O fato de você adotar influências de vários gêneros musicais já lhe trouxe problemas? Chegou a enfrentar preconceito por tocar jazz?
Tiso - Isso nunca me preocupou, porque sofro de uma espécie de ciganice. Eu recebo as influências e vou lançando-as dentro de minha música. Narizes torcidos sempre existiram, até de sambistas para o Tom Jobim. Eu acho que a influência do jazz foi benéfica para o samba. Do que eu não gosto é de fusão, não me agrada a tentativa de criar um novo estilo musical. Por isso, não gosto tanto do samba-jazz, que se tornou um subgênero. Gosto do samba e gosto do jazz, mas cada um com suas influências, sem fusões.

O público brasileiro já se acostumou ao seu ecletismo. Como você é visto no exterior? Um pianista brasileiro de formação clássica que toca jazz? Um jazzista que faz arranjos eruditos de música brasileira?
Tiso – Lembro que depois do “Native Dancer”, o disco do Milton com o Wayne Shorter que influenciou toda a geração dos anos 70, fui fazer um show em San Francisco, na Califórnia. Alguns estranharam porque acharam que eu ia chegar lá quebrando tudo no jazz, mas eu toquei até choro. Outros gostaram, acharam minha música diferente do padrão americano. Até no Brasil, a sensação que eu tenho, às vezes, é que as pessoas vão aos meus shows esperando ouvir uma coisa e acabam ouvindo outras. Não sei se isso é uma virtude ou um defeito que eu tenho.

Qual é o seu ideal ao escrever um arranjo para orquestra?
Tiso - Minha vontade é sempre tocar e escrever música com o máximo de elegância. Um bom exemplo está nos sambas do Paulinho da Viola ou do Nelson Cavaquinho, que eu acho charmosos e elegantes. Ao viajar nos caminhos harmônicos, eu sempre procuro essa elegância.

(entrevista publicada no “Guia da Folha – Livros, Discos & Filmes”, em 24/04/2009)


Wagner Tiso: samba e jazz com tratamento erudito

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Não espere ouvir pagodes cheios de malandragem, nem longos improvisos jazzísticos em ritmos frenéticos. Ao render tributo às influências que recebeu do samba e do jazz, Wagner Tiso, 63, segue a personalíssima estética que identifica sua obra musical há décadas.

Vestidos com orquestrações que destacam naipes de cordas e sopros, sambas como “Inquietação” (Ary Barroso), “Folhas Secas” (Nelson Cavaquinho) e “Samba de Um Grande Amor” (Chico Buarque) soam mais sofisticados, clássicos. Standards da canção norte-americana e do jazz, como “April in Paris” (Duke e Harburd), “Naima” (John Coltrane) e “Solar” (Miles Davis) recebem um tratamento harmônico e timbrístico que os aproxima da tradição erudita.

O fato de improvisos instrumentais serem pouco freqüentes na linguagem do samba, assim como arranjos para cordas serem incomuns no jazz moderno, não impede Tiso de quebrar essas convenções, sempre com equilíbrio e bom gosto. Samba e jazz com a assinatura pessoal de um dos grandes músicos brasileiros.

(resenha publicada no “Guia da Folha – Livros, Discos & Filmes”, em 24/04/2009)



Paul Simon: sua fase pós-Garfunkel no DVD "Live From Philadelphia

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Paul Simon vivia uma fase de transição em sua carreira, em 1980, quando fez este show no Tower Theater, na Filadélfia. Após a dissolução da famosa dupla Simon & Garfunkel, já atuara como cantor e compositor durante uma década, mas ainda sem o mesmo grau de reconhecimento – algo que só reconquistou com suas incursões pelos ritmos da África do Sul e da Bahia, nos álbuns “Graceland” (1986) e “The Rhythm of the Saints” (1990).

Nesta apresentação de apenas 55 minutos, ele alterna canções recém-gravadas, como a doce “Jonah” e a sacudida “Late in the Evening”, com outras já bem conhecidas, como “Still Crazy After All These Years” e “50 Ways to Leave Your Lover”. Estas ressurgem em releituras buriladas pela experiente banda, que destaca a guitarra de Eric Gale, a bateria de Steve Gadd e os teclados e vocais de Richard Tee. Irônico e bem-humorado, Simon não faz o tipo de artista que lambe os fãs, mas não saiu do palco sem cantar “The Boxer” e “The Sound of Silence”, seus hits dos anos 60.

(resenha publicada no “Guia da Folha – Livros, Discos & Filmes”, em 24/04/2009)





 

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